sábado, 14 de julho de 2007

Velha infância



Ouvi-a falar sobre sua infância. Ela, com mais de 50 anos, onze filhos e dezessete netos, estava na cozinha escorada na janela nem sabia do brilho que seus olhos refletiam em mim, que estava na varanda. Lembrou-se de como era, nos terreiros da fazenda Varginha, brincar e trabalhar. Tudo era feito entre primos e irmãos.
Seus brinquedos consistiam em fazer panelas-de-barro e cozinhadinho. À tardinha moíam cana e a noite socava, em um pilão de madeira, o arroz para comer no outro dia. Vivera entre os irmãos e como não tinham vizinhos por perto, eram amigos entre si e tornavam-se compadres ali mesmo no fundo dos seus quintais. E ao chegar os finais de semana, sem rádio ou televisão, a diversão estava combinada, iam pescar nos rios locais. E à noite, sem os televisivos jornais, brincavam de roda sob o céu enluarado.
Ficamos as duas ali, ela voltando ao passado, eu a expiar suas lembranças enquanto observava suas reações. Ela provavelmente não sabia que por seus olhos eu via aquilo que por ela era lembrado. Aquele era um vago momento de lembranças e eu sabia que ela não sentia pesar pelo tempo passado. Sentia, sim, um carinho pelas pessoas que participaram dele. Tenho certeza de que se orgulha de sua vida agora e é aí que, na minha humilde opinião, está a beleza das fases da vida. Algumas pessoas se detêm a lamentar o que passou e terminam por não apreciar o momento atual.
As sensações daquela vida, das experiências com os irmãos, são suficientes para as forças serem renovadas. Agora, com os filhos crescidos, seu companheiro de roça é o marido e lá cultivam hortas, apartam algumas vacas e seguem com suas responsabilidades, seus interesses, sua vida presente. Não socam mais o arroz no pilão, agora moem o café torrado em seu fogão a lenha e fazem farinha com a mandioca produzida em seus poucos hectares de terra. O cheiro do café coado é um elo entre aquele tempo que se foi e esse que agora é chegado.
Ela na janela silencia, divaga em sua existência. Eu encanto-me com a beleza produzida pela simplicidade daquele lenço em seus cabelos. Dona Dominga não percebeu e, talvez, eu jamais lhe diga o modo como suas considerações afetaram a minha vida.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Bingo!!!



Não é uma manhã comum. Hoje é dia de bingo. O sol esta “tilintando” de quente. Mas esse calor é necessário. São os raios dourados do céu que conferem ao dia e, ao próprio bingo, esse ar de realeza tão estimado. Quase todos estão aqui, reunidos em pequenos ou grandes grupos. Acomodados nos bancos da praça ou no meio-fio à espera que comece o jogo. Uns fazem planos com os prêmios, outros conversam sobre qualquer coisa. O sol promete continuar quente, como sempre. Os organizadores do bingo anunciam mais uma vez a venda das cartelas. E para as donas de casa mandam um recado: “O almoço só vai começar a ser feito ao meio-dia...”.
No interior a vida acontece mais ou menos assim, basta uma sombra de árvore, um banco de madeira e pronto, as pessoas se achegam e o assunto brota, cresce logo, é como um leito de rio. Não é difícil entender esta razão. As pessoas que aqui vivem é que traçam o caminho de suas vidas, como um graveto riscando o chão. Suas estações são condicionadas por outros motivos. Andar de madrugada na rua não gera insegurança. As crianças brincam se divertem com tudo. Dar carona não é absurdo, antes, é obrigação. E o tempo, ah o tempo, esse não é inimigo.
É por isso que em dia de bingo, mesmo com o sol a pino vira a maior animação. A comunidade se envolve e a festa vai acontecer. O povo que não se incomode porque não há razão para pressa. É chegada à hora do sorteio e depois de muitos agradecimentos, as pedras começam zunir dentro do globo. Cessa o burburinho. São muitos concorrentes. Todos com cartela na mão, em profundo silêncio, ouvem atentos. Alguém diz entre a multidão: “esse bingo vai acabar depressa”. E sai a primeira pedra: 12. E logo outra, outra e mais outra. E começam os gritos. Os concorrentes “cantam” os números que lhes faltam para atingir a premiação.
“Eu tô melado”, gritou um lá no fundo. E duas pedras depois apareceu o primeiro ganhador. O prêmio, uma leitoa. A diversão continua e ainda há muitos prêmios a serem sorteados. Rivais no bingo, amigos na vida aproximam-se e misturam seus risos a espera de quem vai ganhar o último prêmio que é uma novilha. Ela será daquele que vier com a cartela toda preenchida. Ao final, o povo vai se dispersar sorrindo. O bingo não é perdido, o tempo aqui é amigo, o tempo não vai voltar.